A CRISE
Por Lisete Coelho
A
crise de hoje tão falada e a crise de antigamente tão esquecida
Nos dias de hoje
a CRISE é a notícia mais falada na comunicação Social, de todo o Mundo. Mas
sinceramente, quem diz que estamos em crise, não chegou a passar a verdadeira
crise, nos tempos de outrora.
Nos inícios do
século 20 havia grande miséria, principalmente nos anos 30 e 40, com todas as
guerras que se travaram.
(...)
Antigamente, todos os
terrenos e fragas eram granjeados, apesar de serem só dos ricos! Mas os pobres
pagavam uma renda anual, ou granjeavam de terças, quer dizer quando tirassem os
produtos da terra eram partidos, uma parte para quem granjeou e duas para o
dono do terreno.
No
tempo das cegadas, depois de ceifarem os cereais e os levarem para as eiras, os
pobres iam ao rebusco da espiga, que era, dar volta ao terreno e procuravam as
que ficavam perdidas. Quando tivessem muitas trocavam-nas nos moinhos por
farinha. Todos os lavradores depois das
malhadas dos seus cereais escolhiam o grão à mão para lhe tirar o “cornelho”
que era uma semente que vinha junto do grão do cereal e que era vendida por bom
preço. E assim os pobres faziam mais uns tostões para poderem comprar qualquer
coisa. No tempo da azeitona, depois do proprietário a
apanhar iam lá os rebusqueiros. Assim se chamavam às pessoas que corriam os
olivais, atrás de encontrar meia dúzia de azeitonas, que no fim da feitoria iam
a uma azenha trocar por azeite.
(...)
Então
nesses campos e fragas semeavam o cereal, cultivavam as batatinhas e a
hortaliça, para se poderem sustentar. Até os ricos comiam quase todos os dias
milhos, ou batatas cozidas com casca espremiam-nas na mão e assim as comiam sem
nada! E à noite era só a tigela do caldo! Ainda me lembro, quando era pequena, ver na casa do
compadre Ernesto, ele e os seis filhos à volta de uma mesa, que no meio só
tinha uma toalha de linho com um prato fundo no meio da mesa, com água da sopa
e umas pingas de azeite, a mãe escoava um pote de batatas cozidas com casca, e
deitava-as em cima da toalhinha e cada um debulhava a sua batatinha. Partiam-na
ainda em cima da mesa, molhavam-na no prato que tinha o azeite e água,
sacudindo-as bem na beira, sem qualquer peguilho! Mas quanta gente nem
essas batatas tinham para comer!? Andavam de porta em porta, com uma cestinha
no braço, a pedir um pedaço de pão, umas batatinhas e uma pinga de azeite para
poderem fazer um caldinho. Uma das pessoas mais carenciadas dessa época, há uns
anos antes de ela morrer, me disse que na sua casa nunca tinha aparado uma
batata para comer, para não ter “estragamento”. Só aparava para fazer o
caldinho, mas que enquanto as aparava os seus filhos todos punham as mãos por
baixo, qual deles tinha que apanhar o aparo da casca da batata e punham-no
assar nas brasas da fogueira e assim os comiam.
(...)
Graças
a Deus eu já não cheguei a passar fome, porque os meus pais cultivavam um
grande terreno, que não era nosso, mas pagavam uma renda por ano. E granjeavam
lá de tudo, desde as batatas às hortaliças e frutas, era uma fartura, mas
peguilhos poucos! A minha
mãe criava galinhas e coelhos, mas estava sempre à espera que os ricos lhe
comprassem. Assim como os ovos; vendia-os para arranjar dinheiro para nos
comprar os livros da escola, algumas roupinhas ou medicamentos. Ainda me lembro
a minha mãe fritar um bocado de cebolas na frigideira e deitar-ma por cima das
batatas e era esse o nosso peguilho. Mais tarde, quando o meu pai foi trabalhar
para a Barragem da Régua, já comprava uns chicharros, ou umas sardinhitas, mas
cada sardinha era dividida: metade para mim e a outra metade para a
minha irmã. Não havia manteiga, nem iogurtes, nem cereais, nem leite. Só se
comia o que se granjeava. Em comparação, hoje, com a tal crise tão falada, toda
a gente come do bom e do melhor. Até os mais pobrezinhos, ainda se gabam que
comem arroz de camarão. Pois hoje comem melhor os pobres do que antigamente os
ricos! Todos os anos vem das Cáritas caixas e caixas de coisas para distribuir
por os mais carenciados e muitas das coisas vão para o lixo, dizem que não
gostam daquela manteiga, daquele leite, que o arroz é muito miudinho e dão-no
para as galinhas da vizinha! Há dias tirei do caixote do lixo um saco com dois
trigos ainda moles e deitei-os a um cão perdido que bem se consolou com eles.
Então é esta a crise tão falada nas televisões? Quem diz que isto é crise não
conheceu a verdadeira crise!
(...)
Brinquedos
nem pensar… Os meninos brincavam com uns carrinhos que os pais lhe faziam das
aboboritas enquanto eram pequeninas e das “corcódeas” dos pinheiros. Mais tarde
com os carrinhos de linhas em cima uma lata das sardinhas, já faziam um
carrinho. Quando já eram mais crescidinhos brincavam ao botão, ou com um arco,
um peão… Para jogarem a bola era com uma feita de farrapos. Os brinquedos das
meninas era com as nanas feitas de farrapos que as nossas mães nos faziam, não
havia bonecas. As
primeiras bonecas que existiram eram feitas de papelão. Contava-me a minha mãe
que a primeira boneca que eu tive, tinha eu 4 anos, vivíamos em Murça de
Trás-os-Montes onde o meu pai trabalhava de fogueteiro, e a patroa dele
comprou-me uma boneca. Um dia a minha mãe foi lavar a roupa para o rio como
toda a gente ia, enquanto ela lavava a roupa e conversava ao mesmo tempo com
uma amiga, não se apercebeu que eu dava banho à minha boneca! Só se apercebeu
quando eu gritei porque a cabeça da minha boneca e as pernas e os braços já iam
por água abaixo! Mais tarde as brincadeiras das meninas era dançar à
roda, jogar a “patalinha”, jogar às escondidas etc. Mas brinquedos não havia.
Hoje quando o bebé nasce já tem o quarto à espera com tudo o que é do bom,
desde a caminha, carrinho, cadeirinha e cheio de brinquedos. Hoje os brinquedos
são em demasia! As crianças já nem ligam aos brinquedos, que até deitam sacos deles
para o lixo! Todas as crianças têm brinquedos de toda a espécie: triciclos,
bicicletas, playstation, telemóveis,
computadores etc.
(...)
Por falar no Mercado, também me lembro os ciganos estarem lá acampados
a cozinhar os porcos ou galinhas que tinham desenterrado e que já tinham
morrido com doença há 15 dias! Comiam e não morriam! Em comparação, hoje os
ciganos já não comem animais desenterrados que tivessem morrido de doença, mas
comem em bons restaurantes! E já não andam a cavalo em burros velhos e mancos,
mas sim em boas carrinhas Mercedes e com os dedos cheios de anéis!
(...)
Porque, naquele tempo,
havia muito mais respeito do que hoje. Para com os superiores, assim que
avistassem os professores esticavam-lhe o braço fazendo continência dizendo: “ - Bom dia Senhor Professor, ou Professora!”
- cumprimentavam-nos com toda a
educação. Mas hoje, infelizmente, é ao contrário, não admitem uma repreensão e
são eles quem maltrata os professores,
mesmo dentro da sala de aulas; chegando a ser os alunos a baterem aos
professores! Isto graças à educação que lhes dão os pais em casa, não concordam
que os professores repreendam os seus filhos e depois eles sentem-se apoiados
pelos Pais e saem assim uns desordeiros. Graças a Deus que não são todos assim!
O mesmo faziam aos sacerdotes, se estivessem sentados
quando passasse um Padre, levantavam-se à sua passagem tirando o chapéu ou
boina da cabeça. Quando passavam em frente a uma igreja ou capela, faziam o
mesmo gesto. Mas hoje até à porta das igrejas e mesmo dentro é só asneiradas,
falta de educação e desrespeito.
Mesmo para com as famílias, já não é aquele
tempo em que os filhos não se deitavam, nem se levantavam sem porem as mãos e
dizerem: “ - Deite-me a sua bênção meu
Pai! Deite-me a sua bênção minha mãe! ou meu avô, minha avó, meu padrinho ou
madrinha!” Hoje já nem ligam a padrinhos, nem avós, nem aos Pais!... Mas
também, os Pais deitam-se e voltam-se a levantar, sem os filhos chegarem a
casa! Não sei como estes Pais podem estar tranquilos, sem saberem como e onde
estarão os seus filhos!? Estão a colher o que semearam.
(...)
O Natal de antigamente
era a festa da família. Nessa noite toda a família se reunia à volta do cepo da
fogueira. Era o dia em que as pessoas tiravam a barriga de misérias, comendo
umas batatinhas com a açordinha de Natal (que era a couvinha com umas espinhas
de bacalhau) e uma pinga de água-pé. De sobremesa era uma filhó, feita só de
farinha, água e sal. Ou uma rabanada que era feita com o trigo da Lapa,
molhadas em ovo e fritas na frigideira; polvilhadas com açúcar e canela. No
final da consoada ficávamos a jogar ao “par ou pernão” com os confeitos
comprados na Santa Luzia, junto ao Presépio. O Presépio era muito simples: um
bocado de musgo, com uma pequenina cabaninha de palha (que o meu pai fazia de
um pau e um bocadinho de palha) e tinha a manjedoura igual, também feita por
ele. Havia o burrinho e a vaquinha, que o meu pai fez da mesma maneira, a Nossa
Senhora e S. José… Mais
tarde, começaram a aparecer à venda, na Festa da Santa Luzia, as figurinhas de
barro, que já tinham os 3 Reis Magos, os pastores, as ovelhinhas… E as pessoas
todos os anos iam comprando uma ou duas peças para completar o Presépio.
(...)
Hoje já se não fazem
presépios. As imagens fugiram!... Põem apenas um pinheiro, que por vezes até é
artificial, comprados nos Centros Comerciais, para não terem trabalho de ir
cortar um a uma mata. Já não põem algodão em rama, mas sim cheio de pirilampos
a piscar.
À meia-noite, entra pela porta dentro um homem de barbas
e vestido de vermelho, carregando um saco às costas cheio de presentes,
pondo-se a distribuí-los por toda a gente. Por isso as crianças de hoje já não
falam no Menino Jesus, mas sim no Pai Natal, o homem de barbas e vestido de
vermelho. A ceia de Natal já não é a Festa da Família como
antigamente. Muitos casais
vão comer ao restaurante para não terem o trabalho de o fazerem e lavar as
louças em casa. Outros ficam em casa sozinhos, porque os que ainda têm pais,
põem-nos nos lares e nem nesse dia os vão buscar para não terem esse trabalho. E aos filhos,
deixam-nos ir para as discotecas, ou para festas, passando a noite a dançar e a
encharcar álcool! Chegam de madrugada a casa, bêbedos e com muita sorte por não
terem um acidente por excesso de álcool.
(...)