Outubro de 1999
Património
Natural na Região de Sendim
As observações que se seguem baseiam-se apenas na participação nos 2 percursos pedestres organizados
pela Associação do Amigos da Região de Tedo Távora, nos dias 3 de Abril e 3 de
Julho de 1999.
A primeira impressão é a notável beleza paisagística do vale do Távora, quando observada a partir
de Sendim.
A vegetação actual encontra-se bastante condicionada pelas actividades humanas, mas contém ainda
alguns elementos naturais interessantes.
Quando os nossos antepassados da Pré-história gravaram
cenas de caça nas fragas da margem leste do Távora, toda a
região encontrava-se provavelmente coberta de matas densas, que abrigavam e
sustentavam uma fauna abundante e diversificada.
Nas encostas expostas a Norte, mais sombrias, e nas altitudes mais elevadas, as matas eram dominadas pelo
Carvalho. negral, de folha caduca.
Nas encostas viradas a Sul, mais ensolaradas, e nas
altitudes mais baixas, a árvore mais abundante era a Azinheira, de folha
persistente.
Junto às linhas de água (rios e ribeiros) desenvolvia-se uma mata diferente, constituída por Amieiros, Freixos e Salgueiros.
Veados (o maior cervídeo), corços e javalis pastavam nas várzeas e clareiras das matas, cabras selvagens
percorriam os fraguedos e alcantilados das margens do Távora e do alto das
serras. Ursos pardos vagueavam no bosque alimentando-se de bagas e de alguma cria
de cervídeo mais incauta. Grupos familiares de lobos - as alcateias - dominavam
extensos territórios de caça (o território de uma alcateia de 6 a 10 lobos
teria uma área dez vezes maior que a freguesia de Sendim).
Numerosas Aves de rapina (Águias, Bútios, Milhafres, Peneireiros, Grifos, Bufos, Corujas e Mochos) tinham
os seus ninhos nas paredes rochosas quase verticais ou nas copas das árvores
mais altas do bosque.
Uma multidão de animais de pequeno e médio porte
completavam a fauna de então. Carnívoros como o lince, a raposa, o gato-bravo,
o texugo, a geneta, a fuinha, a doninha, a lontra, e o toirão. Herbívoros como
o coelho, a lebre. Pequenos mamíferos como o lirão, ratinhos, musaranhos e
morcegos. Dezenas de espécies de aves, do guarda‑rios à toutinegra, dos chapins
ao pica-pau, tordos, melros, pintassilgos, escrevedeiras, perdizes, gaios, galinholas,
abelharucos, rouxinóis e muitas outras.
Sobre as rochas expostas, ou no chão das matas, deslizavam répteis como o sardão, as sardaniscas, o lagarto
d'água, a cobra-rateira, a cobra-de-escada, a víbora, as cobras-de-água, a
cobra lisa, os licranços, a osga.
Nas noites húmidas do Outono à Primavera,
ao eterno coaxar das rãs na orla das linhas de água, juntava‑se o coro grave do
sapo‑comum, da rela, do sapo parteiro, do sapo-corredor. Tritões e salamandras
saíam dos seus esconderijos e acorriam aos charcos e ribeiros para a inadiável
tarefa da reprodução.
Nos cursos de água cumpriam o seu ciclo
de vida as trutas, os barbos, os escalos e bordalos, as bogas, e mergulhavam
discretas as toupeiras-de-água.
Na Antiguidade, um escritor romano descreveu os povos deste canto noroeste da Península: viviam em
comunidades guerreiras que habitavam pequenos povoados fortificados, com casas
de pedra e telhados de colmo. Cultivavam pequenas leiras, criavam algumas
cabras e vacas, e recolhiam bolotas e caça dos carvalhais envolventes.
Estabelecida a administração de Roma, novas
técnicas e novos elementos agrícolas transformaram a paisagem. O zambujeiro
bravio das matas mediterrânicas do sul converteu-se na mansa oliveira. Trazidos dos confins do Império,
das montanhas do Médio Oriente, plantaram-se castanheiros, e surgiram os
primeiros soutos e castinçais. Os guerreiros converteram-se em lavradores, e
nas antigas matas foram abrindo clareiras para vinhas, pomares e searas.
Nas encostas das serras o fogo ateado transformava os bosques
em matos onde pastavam cada vez mais cabras, ovelhas e vacas.
A redução das matas levou à extinção os animais maiores
e mais vulneráveis - Urso, (antes do sec.XVI), Veado, Corço, Lince, (talvez nos
sec.XVIII - XIX), Lobo (há cerca de 20 anos).
Possivelmente a partir do sec. XVIII, foi introduzido o
sobreiro, para aproveitamento da cortiça.
Já no século XX, a
diminuição da importancia económica dos rebanhos e consequentemente
dos matos levou à introdução de um elemento novo – o e pinheiro-bravo, originário da região litoral do Centro e Norte do
País, e plantado em larga escala a partir de 1920.
Os carvalhais desaparecidos, que constituíam o
sustento dos primeiros habitantes desta região, deixaram no entanto uma herança
ainda hoje utilizada: os solos com aptidão agrícola. No nosso clima temperado,
os solos agrícolas de Sendim (bem como da maior parte da Europa) resultam da
lenta desagregação das rochas por acção das raízes das árvores, e da acumulação
e desintegração das folhas das árvores ao longo de milhares de
anos.
As folhas dos carvalhos e azinheiras são rapidamente
desagregadas pela acção de insectos, bichos-de-conta e minhocas, e finalmente
decompostas por fungos e bactérias, acumulando-se no solo uma fértil camada
rica em matéria orgânica.
Infelizmente, as plantações de pinheiros não têm a mesma
capacidade de formação de solo. As agulhas dos pinheiros são muito resistentes
à desagregação, pelo que se acumula na superfície uma espessa camada de folhas
não decompostas, que
inibem o crescimento de outras plantas. O resultado final é um solo cada
vez mais ácido, pobre em matéria orgânica.
Os pinheiros-bravos são muito vulneráveis ao
fogo, ao contrário dos sobreiros, azinheiras, castanheiros e carvalhos. Nas
zonas de maior declive, a destruição da plantação de pinheiros pelo fogo deixa
a descoberto um solo empobrecido, onde a capacidade regeneradora da vegetação é
lenta. Deste modo, surgem fenómenos de erosão que dificultam ainda mais o
processo de regeneração.
Nalgumas zonas dos arredores de Sendim o
coberto vegetal
encontra-se bastante degradado, por esta sucessão - pinheiros ‑ fogo.
Noutros locais existe um mosaico de culturas
agrícolas, grupos de castanheiros, bosquetes de carvalho-negral, e matos, com
uma vegetação diversificada. Possivelmente aqui ocorre uma fauna variada de
pequenos mamíferos, aves, répteis e anfíbios.
As margens alcantiladas do Távora são uma zona de
nidificação potencial para algumas espécies de aves de grande porte (águias,
falcões, grifos). Com alguma protecção em relação a certas perturbações (fogo,
caça) seria certamente uma área privilegiada para a observação e conservação de
espécies hoje raras.
Os habitats naturais na região de Sendim estão hoje profundamente alterados pela acção do homem. Há situações
de degradação e empobrecimento dos recursos naturais, como o solo. Houve uma
regressão acentuada da vegetação, fauna e flora. Mas também há exemplos de
situações próximas de um equilíbrio, em que a actividade humana é compatível e
até promove uma certa diversidade faunística e de vegetação: estas são as zonas
com uma paisagem mais interessante.
* Biólogo da ARTT
(Dr. João Morais)