VALE A PENA RECORDAR
por: Arlindo de Sousa
Estava-se em 15 de Maio de
1883. Na região correspondente aos concelhos de Moimenta da Beira, Tabuaço e S.
João da Pesqueira, o dia nasceu com o sol a brilhar. Prometia um tempo propício
à realização das inúmeras tarefas essencialmente agrícolas da população. Iria
ser um dia igual a tantos
outros? Não foi...
Quando menos se esperava, umas nuvens negras começaram a aparecer
no horizonte. Cada vez mais espessas, escuras e ameaçadoras, as nuvens
avançaram pesada mas implacavelmente até cobrirem toda a região.
Os relâmpagos e os
trovões não tardaram com a sua presença. O clarão vivo e rápido das descargas
eléctricas rasgava o céu em todos os sentidos e por vezes as descargas
precipitavam-se sobre a Terra. O ruído dos trovões de várias respostas e com
uma intensidade crescente era assustador...
Quando o último galináceo se recolhia apressado e espavorido
ao poleiro (o dia parecia noite!), uma chuva
diluviana e tempestuosa começou a fustigar os três concelhos. As linhas de água
transformaram-se rapidamente em rios caudalosos que tudo arrastavam na sua
erosiva e devastadora passagem...
Pouco adiantaram os ramos de alecrim e loureiro,
benzidos no Dia de Ramos, queimados em muitas lareiras em louvor de Santa
Bárbara. Parecia que as comunicações com o céu estavam interrompidas! O clamor
da gente aflita não conseguia atravessar o pesado teto nebuloso que ameaçava
tudo destruir... E destruiu! Segundo o jornal “A Liberdade”, que ao tempo se
publicava em Viseu, a “... a medonha trovoada… reduziu á fome e á miséria centenas de famílias nos concelhos de Taboaço, Pesqueira e Moimenta da Beira, cujos prejuízos foram
avaliados em mais de cincoenta contos de reis...”
E o que fez o governo de então? O governo,
depois de “... apertado, instado, rogado e animado para valer a tanta
desgraça e beneficiar tanto infeliz, man(dou) para ali duzentos mil rs. —
de esmola!”.
Face a tamanha
insensibilidade pelo sofrimento de tantas famílias, os povos dos três concelhos
ergueram os punhos ameaçadores e enviaram um emissário que, junto dos poderes
públicos e em nome de toda a população, declarou: “Esta gente topelle a ideia de esmola, e só pede trabalho”.
Apoiados pelo governador do distrito de
Viseu, seu interlocutor junto do poder
central, as gentes da região exigiram ao governo que se construísse “… toda a estrada districtal o.” 40 entre a
Foz do Tavora e Moimenta da Beira (menos o lanço entre Moimenta e o
Arcozelo que já estaria pronto), justamente considerada como avenida do
caminho de ferro do Douro que dista de Taboaço 9 quilometros e 30 de
Moimenta da Beira”. A pretensão incluía “..a construcção do lanço...
entre o Serro e Taboaço, na extensão… de 4 quilometros, que (afirmava-se) já
esta(vam) estudados e aprovados”.
Diziam as populações que assim se atingiam
dois importantes objectivos: concluía-se uma via fundamental para o escoamento
dos produtos de uma ampla região; e por outro lado tão importante melhoramento,
para além de contribuir também para o desenvolvimento global do país, durante a
construção, segundo as suas próprias palavras, daria “... emprego a esses
braços que (devido à fome) a morte apropria...”. Numa atitude de
invulgar dignidade, o povo gritava: Trabalho, sim! Esmola, não!
(OUTUBRO DE 2001)