segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

VALE A PENA RECORDAR - boletins antigos - Bol. nº 7

VALE A PENA RECORDAR
por: Arlindo de Sousa

Estava-se em 15 de Maio de 1883. Na região correspondente aos concelhos de Moimenta da Beira, Tabuaço e S. João da Pesqueira, o dia nasceu com o sol a brilhar. Prometia um tempo propício à realização das inúmeras tarefas essencialmente agrícolas da população. Iria ser um dia igual a tantos outros? Não foi...
Quando menos se esperava, umas nuvens negras começaram a aparecer no horizonte. Cada vez mais espessas, escuras e ameaçadoras, as nuvens avançaram pesada mas implacavelmente até cobrirem toda a região.



         Os relâmpagos e os trovões não tardaram com a sua presença. O clarão vivo e rápido das descargas eléctricas rasgava o céu em todos os sentidos e por vezes as descargas precipitavam-­se sobre a Terra. O ruído dos trovões de várias respostas e com uma intensidade crescente era assustador...
          Quando o último galináceo se recolhia apressado e espavorido ao poleiro (o dia parecia noite!), uma chuva diluviana e tempestuosa começou a fustigar os três concelhos. As linhas de água transformaram-se rapidamente em rios caudalosos que tudo arrastavam na sua erosiva e devastadora passagem...
     Pouco adiantaram os ramos de alecrim e loureiro, benzidos no Dia de Ramos, queimados em muitas lareiras em louvor de Santa Bárbara. Parecia que as comunicações com o céu estavam interrompidas! O clamor da gente aflita não conseguia atravessar o pesado teto nebuloso que ameaçava tudo destruir... E destruiu! Segundo o jornal “A Liberdade”, que ao tempo se publicava em Viseu, a “... a medonha trovoada… reduziu á fome e á miséria centenas de famílias nos concelhos de Taboaço, Pesqueira e Moimenta da Beira, cujos prejuízos foram avaliados em mais de cincoenta contos de reis...”
     E o que fez o governo de então? O governo, depois de “... apertado, instado, rogado e animado para valer a tanta desgraça e beneficiar tanto infeliz, man(dou) para ali duzentos mil rs. de esmola!”.
          Face a tamanha insensibilidade pelo sofrimento de tantas famílias, os povos dos três concelhos ergueram os punhos ameaçadores e enviaram um emissário que, junto dos poderes públicos e em nome de toda a população, declarou: “Esta gente topelle a ideia de esmola, e só pede trabalho”.



     Apoiados pelo governador do distrito de Viseu, seu interlocutor  junto do poder central, as gentes da região exigiram ao governo que se construísse “…  toda a estrada districtal o.” 40 entre a Foz do Tavora e Moimenta da Beira (menos o lanço entre Moimenta e o Arcozelo que já estaria pronto), justamente considerada como avenida do caminho de ferro do Douro que dista de Taboaço 9 quilometros e 30 de Moimenta da Beira”. A pretensão incluía “..a construcção do lanço... entre o Serro e Taboaço, na extensão… de 4 quilometros, que (afirmava-se) esta(vam) estudados e aprovados”.
     Diziam as populações que assim se atingiam dois importantes objectivos: concluía-se uma via fundamental para o escoamento dos produtos de uma ampla região; e por outro lado tão importante melhoramento, para além de contribuir também para o desenvolvimento global do país, durante a construção, segundo as suas próprias palavras, daria “... emprego a esses braços que (devido à fome) a morte apropria...”. Numa atitude de invulgar dignidade, o povo gritava: Trabalho, sim! Esmola, não!
(OUTUBRO DE 2001)

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