quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Boletins Antigos - nº 2 - Gentes da Nossa Terra

(Julho de 1999)
"GENTES DA NOSSA TERRA"



Apesar de "estar na moda" as tradições, os usos e costumes de outrora, há ainda muita coisa a fazer por esta região. São muitos os usos e costumes do povo que correm o risco de se perderem porque por um lado não há quem lhes dê continuidade por outro faltam entidades capazes e com apoios para os poderem preservar.
Vou hoje falar de uso em tempos muito implantado no nosso povo que era o fabrico do pão caseiro e nada melhor do que falar das "duas padeiras de Sen­dim", Amélia do Nascimento, nascida em 17/07/1928 e Eva da Conceição Veiga, nascida em 02/07/1937, que ainda continuam embora com carácter particular e artesanal a fabricar o genuíno pão.
Começo por falar da mais antiga na arte, a Sr." Amélia. Iniciou-se nisto à 40 anos, graças à sua sogra, que era padeira. Corn ela aprendeu toda a arte de fabricar o pão, desde o fazer e preparar o fermento, o peneirar da farinha, o amassar, saber quando o pão está levedado, tender a massa e introduzir a massa no forno a lenha. Legalizou-se como padeira, fabricou e vendeu pão durante 20 anos. Os clientes eram de Sendim, Arcos, Guedieiros e Paradela. Fabricava sêmeas (pão grande), trigo de quatro cabeças, bolas de carne e de canela, pão de ló, biscoitos, cavacas, bolos de folar e broa. O pão era transportado em cestos à cabeça ou carregados num burro. Um trigo custava 2$00 e os comerciantes que o vendiam tinham como ganho o seguinte: em cada 10 pães vendidos, ganhavam um.
Em conversa recorda e citamos "quando comecei havia mais quatro padeiras: a Sr.a Cesaltina, a Sr.a Micas do César, a Sra Carlota Ferreira e a Sr.a Maria do Nascimento. Por vezes havia zangas por causa da hora de cozer no forno" Já agora refira-se que os fornos utilizados eram o do Mercado propriedade do então Sr. Aurélio Coelho e o forno do "largo do forno", já destruído há uns 15 anos. O aluguer do forno era pago diariamente com o pão lá fabricado, ou seja cada padeira dava ao dono do forno, um trigo grande, equivalente a dois trigos de 4 cabeças e outro a quem fornecia a lenha para o acender. Quem forneceu durante muitos anos a lenha para o forno foi a Sr.a Elvira Formoso, esposa do Sr.João Gonçalves (João da Lila).
A farinha então utilizada era moída nos três moinhos que junto do rio Távora na altura existiam e que mais tarde foram destruídos pelas águas aquando do rebentamento da barragem do Vilar. Os moleiros de então eram o Sr. José Pereira (José Moleiro - de Sendim), o Sr. José "Baixo» (de Riodades) e a Sr.a Virgilina (de Guedieiros). Com o fim dos moinhos a farinha passou a vir de Fonte de Arcada e de Aguiar da Beira.
O pão fabricado pela Sr.a Amélia tinha grande fama o que fazia com que outros padeiros não conseguissem vender o seu pão, e foi graças a isso que lhe fizeram uma denuncia às autoridades. "Um dia estava a amassar e bateram-me à porta. Eram uns fiscais de Vila Real que me multaram na altura em 800S00".
O facto de ter partido a perna em 1975 e de exigirem instalações mais modernas, fizeram com que abandonasse a actividade como profissional. Contudo manteve e felizmente ainda mantém o hábito de cozer o pão para consumo pessoal uma vez por semana.
Foi precisamente em 1975, mais propriamente em Abril desse ano que a Sr.a Eva da Conceição Veiga começou a lidar com o forno e com o pão. A Sr.a Amélia convidou-a, ensinou-a e fez dela não só uma parceira como uma substituta nos dias em que tinha outros afazeres. E pode parecer que não, mas ser responsável pelo forno é tarefa de grande responsabilidade, pois se o forno está muito quente o pão sai queimado e as pessoas protestam, se está pouco quente, o pão fica mal cozido e as pessoas reclamam também, pelo que até no aquecer do forno é preciso sabedoria.
Como curiosidade refira-se que uma fornada de pão demora em média uma hora a cozer.
Hoje o "velho forno" ainda existe e continua em actividade, embora pratica­mente só ao fim de semana. Antigamente funcionava todos os dias, agora excluindo a Páscoa, só meia dúzia de pessoas é que ainda cozem o pão.
Já agora valia a pena não só preservar o saber do fabrico do pão caseiro, como recuperar o "velho forno" de modo que pudesse não só ser um local didáctico para os mais novos como "museu vivo" com a vantagem de produzir um produto com características próprias e únicas de grande qualidade em vias de extinção.

Por: José João Patrício
Em Julho de 1999


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