terça-feira, 2 de setembro de 2014

A Casa da Dona Otília... - Boletins Antigos - Nº 6 - ano 2001

A CASA DA DONA OTÍLIA...
 por: Fernando Carlos Taveira Cardoso Teixeira


Em Sendim encontramos casas bastante interessantes. No entanto ficamos apenas pelo conhecimento do seu exterior, a menos que com genti­leza os seus proprietários nos permi­tam uma inesquecível visita.
Dona Otília junto da casa que
visitamos em Sendim

Assim aconteceu num Domingo sol­arengo. A senhora Otília da Concei­ção, juntamente com os seus familia­res, abriram-nos a porta da sua casa com um sorriso. À entrada, a data, 1715, marcada na verga da janela, antecipava algo de extraordinário Não imaginávamos a riqueza e a degrada­ção do património do interior.
Entrámos para uma sara quadran­gular que dava acesso a outras duas salas laterais. O interesse do nosso olhar encaminhava-se, rendido, para a beleza do surpreendente teto de forma octogonal. Este espaço levou­-nos a outra sala, coroada com outro teto também de forma octogonal e em melhor estado de conservação, onde com esforço descobrimos numa das soas faces as iniciais M. A. F. e a data de um restauro, efetuado em 1944 por um artista da terra, segundo a proprie­tária.
As iniciais significam Manuel Aires Ferreira, antigo dono. Curioso é igualmente o desenho de um pássaro junto àquelas iniciais. Também interessante, apesar de talvez não ser o original, é o conjunto das cores empregues, o laranja, o azul, o rosa, os ocres velhos e os traços de desenho que compu­nham os caixotões. Ao mesmo tempo, ficou-nos na memória o pormenor do coroado no centro do teto, pela sua cor, entrelaçado e ritmado do relevo esculpi­do numa única peça de madeira, O mobiliário, constituído por uma cama de ferro, baús, malas e outros utensílios, revelou-nos a marca de urna época. Impressionaram-nos do mesmo modo as portadas interiores das janelas sem dobradiças, resumindo-se o seu funcio­namento a um pau rodando como pivô numa abertura feita no peitoril.
Visitamos também a outra saIa desti­nada a cozinha. Os utensílios mantinham-se no mesmo lugar, a lareira ain­da continha o caniço. De repente abri­mos uma porta, que dava para uma varanda, por onde o sol iluminou aquela antiguidade, negra do fogo e velha do tempo, mas nobre e imponente pelas características arquitetónicas que ali ainda permanecem. Aquela zona terá sido a parte social da casa. As salas apresentam uma maior escala e uma métrica rígida, resultante da composição de três quadrados, onde os tetos octogonais nos prendem pela ilusão sentida. Por detrás daquele volume, surge o resto da casa, o átrio, os quartos, a adega e lojas. Esta parte da casa apresenta um carácter mais rural pela simplicidade da sua arquitetura.

Grupo de visitantes
O grupo saiu pela porta da "Quintã". E foi
fotografado no patim da escada.
Note-se o desgaste do cobertor da escada constituído
por pedra única.
É de realçar o buraco feito na escada para as
galinhas sairem do capoeiro  que ficava no seu
interior. Naquele tempo havia lugar para todos,
mesmo para as galinhas!...


A casa forma um quarteirão e hoje encontra-se dividida por várias famílias segundo percebemos. A parte mais nobre da casa acha-se em plena degradação, pois os tetos estão lamentavelmente quase irrecuperáveis.
Saímos pelo átrio e demos a volta à casa. O grupo de visitantes abandonou depois aquele lugar, caminhando pela calçada. Os nossos passos marcaram o ritmo do tempo… Se entretanto nada de imprevisto acontecer, será mais um pouco do mundo rural que se perde, enquanto a sociedade do final do século gira obcecada em redor dos grandes centros...
Sendim, Verão de 2000
Fernando Carlos Taveira Cardoso Teixeira

Fotografia: António José Teixeira Silva


Pormenor do teto octogonal dda sala de entrada
O coroado apresenta motivos geométricos ao centro, segundo composição
em irradiação de dupla espiral destra.Estas espirais partem como
ramificações, de um círculo que apresenta um trabalhado concêntrico, de
padrão escamado e motivo suástico central.


Teto octogonal da sala de entrada
Os caixotões prolongam o pentágono central na parte horizontal do teto,
formando trapézios com moldura de base maior exterior. As tábuas que os
compõem apresentam pintura com linhas curvas em diagonal e pontos pela
superfície, uns de cor escura e outros de cor clara.
O resto do teto é constituido por caixotões inclinados até às paredes laterais
da sala, mantendo a mesma composição octogonal e moldura em volta dos
trapézios que os formam.


Teto octogonal da segunda sala
Este teto tem um melhor estado de conservação. Mantém o mesmo tipo de 
composição que o primeiro. Destaque-se o maior valor artístico, expresso na
pintura aplicada e no coroado central.
Estamos perante uma obra do séc. XVIII, na qual a composição do espaço
salão se expressa com muita importância, daí a razão da forma deste teto.


Pormenor do teto octogonal da segunda sala
O centro é trabalhado por motivos vegetais, com base em composição geométrica
rígida. À sua volta são desenhadas semi circunferências secantes, inscritas por sua
vez num octrógono. Este centro pode ser comparado a um centro de mesa. Ainda
hoje encontramos estas características na tradição das nossas casas. Este motivo
pode fazer-nos pensar que foi ali a sala de jantar da Habitação.


Pormenor de um desenho no caixotão
Para além das iniciais do dono desta Habitação, desperta-nos o desenho ingénuo
de um pássaro. Terá sido a marca do artista que um dia restaurou este teto. Pela
forma é um elemento de arte popular, de cor branco e azul galo claro. Ao terminar
o restauro, talvez o artista nos tenha querido revelar a época do ano em que terminou
a obra. Por certo existiam muitos pássaros nessa altura, deve ter sido na Primavera
ou Verão. Infelizmente nestes tempos que correm, quase que não há pássaros. No
entanto existem mais desenhos, principalmente "graffitis" que deteriorsm quase
tudo o que deveria ser prreservado e importante para o nosso ambiente urbano...



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