sábado, 26 de janeiro de 2013

Boletim 50 - A CRISE


A  CRISE
Por Lisete Coelho
A crise de hoje tão falada e a crise de antigamente tão esquecida

Nos dias de hoje a CRISE é a notícia mais falada na comunicação Social, de todo o Mundo. Mas sinceramente, quem diz que estamos em crise, não chegou a passar a verdadeira crise, nos tempos de outrora.
Nos inícios do século 20 havia grande miséria, principalmente nos anos 30 e 40, com todas as guerras que se travaram.

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Antigamente, todos os terrenos e fragas eram granjeados, apesar de serem só dos ricos! Mas os pobres pagavam uma renda anual, ou granjeavam de terças, quer dizer quando tirassem os produtos da terra eram partidos, uma parte para quem granjeou e duas para o dono do terreno.
No tempo das cegadas, depois de ceifarem os cereais e os levarem para as eiras, os pobres iam ao rebusco da espiga, que era, dar volta ao terreno e procuravam as que ficavam perdidas. Quando tivessem muitas trocavam-nas nos moinhos por farinha. Todos os lavradores depois  das malhadas dos seus cereais escolhiam o grão à mão para lhe tirar o “cornelho” que era uma semente que vinha junto do grão do cereal e que era vendida por bom preço. E assim os pobres faziam mais uns tostões para poderem comprar qualquer coisa. No tempo da azeitona, depois do proprietário a apanhar iam lá os rebusqueiros. Assim se chamavam às pessoas que corriam os olivais, atrás de encontrar meia dúzia de azeitonas, que no fim da feitoria iam a uma azenha trocar por azeite.

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Então nesses campos e fragas semeavam o cereal, cultivavam as batatinhas e a hortaliça, para se poderem sustentar. Até os ricos comiam quase todos os dias milhos, ou batatas cozidas com casca espremiam-nas na mão e assim as comiam sem nada! E à noite era só a tigela do caldo! Ainda me lembro, quando era pequena, ver na casa do compadre Ernesto, ele e os seis filhos à volta de uma mesa, que no meio só tinha uma toalha de linho com um prato fundo no meio da mesa, com água da sopa e umas pingas de azeite, a mãe escoava um pote de batatas cozidas com casca, e deitava-as em cima da toalhinha e cada um debulhava a sua batatinha. Partiam-na ainda em cima da mesa, molhavam-na no prato que tinha o azeite e água, sacudindo-as bem na beira, sem qualquer peguilho! Mas quanta gente nem essas batatas tinham para comer!? Andavam de porta em porta, com uma cestinha no braço, a pedir um pedaço de pão, umas batatinhas e uma pinga de azeite para poderem fazer um caldinho. Uma das pessoas mais carenciadas dessa época, há uns anos antes de ela morrer, me disse que na sua casa nunca tinha aparado uma batata para comer, para não ter “estragamento”. Só aparava para fazer o caldinho, mas que enquanto as aparava os seus filhos todos punham as mãos por baixo, qual deles tinha que apanhar o aparo da casca da batata e punham-no assar nas brasas da fogueira e assim os comiam.

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Graças a Deus eu já não cheguei a passar fome, porque os meus pais cultivavam um grande terreno, que não era nosso, mas pagavam uma renda por ano. E granjeavam lá de tudo, desde as batatas às hortaliças e frutas, era uma fartura, mas peguilhos poucos! A minha mãe criava galinhas e coelhos, mas estava sempre à espera que os ricos lhe comprassem. Assim como os ovos; vendia-os para arranjar dinheiro para nos comprar os livros da escola, algumas roupinhas ou medicamentos. Ainda me lembro a minha mãe fritar um bocado de cebolas na frigideira e deitar-ma por cima das batatas e era esse o nosso peguilho. Mais tarde, quando o meu pai foi trabalhar para a Barragem da Régua, já comprava uns chicharros, ou umas sardinhitas, mas cada sardinha era dividida: metade para mim e a outra metade para a minha irmã. Não havia manteiga, nem iogurtes, nem cereais, nem leite. Só se comia o que se granjeava. Em comparação, hoje, com a tal crise tão falada, toda a gente come do bom e do melhor. Até os mais pobrezinhos, ainda se gabam que comem arroz de camarão. Pois hoje comem melhor os pobres do que antigamente os ricos! Todos os anos vem das Cáritas caixas e caixas de coisas para distribuir por os mais carenciados e muitas das coisas vão para o lixo, dizem que não gostam daquela manteiga, daquele leite, que o arroz é muito miudinho e dão-no para as galinhas da vizinha! Há dias tirei do caixote do lixo um saco com dois trigos ainda moles e deitei-os a um cão perdido que bem se consolou com eles. Então é esta a crise tão falada nas televisões? Quem diz que isto é crise não conheceu a verdadeira crise!

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Brinquedos nem pensar… Os meninos brincavam com uns carrinhos que os pais lhe faziam das aboboritas enquanto eram pequeninas e das “corcódeas” dos pinheiros. Mais tarde com os carrinhos de linhas em cima uma lata das sardinhas, já faziam um carrinho. Quando já eram mais crescidinhos brincavam ao botão, ou com um arco, um peão… Para jogarem a bola era com uma feita de farrapos. Os brinquedos das meninas era com as nanas feitas de farrapos que as nossas mães nos faziam, não havia bonecas. As primeiras bonecas que existiram eram feitas de papelão. Contava-me a minha mãe que a primeira boneca que eu tive, tinha eu 4 anos, vivíamos em Murça de Trás-os-Montes onde o meu pai trabalhava de fogueteiro, e a patroa dele comprou-me uma boneca. Um dia a minha mãe foi lavar a roupa para o rio como toda a gente ia, enquanto ela lavava a roupa e conversava ao mesmo tempo com uma amiga, não se apercebeu que eu dava banho à minha boneca! Só se apercebeu quando eu gritei porque a cabeça da minha boneca e as pernas e os braços já iam por água abaixo! Mais tarde as brincadeiras das meninas era dançar à roda, jogar a “patalinha”, jogar às escondidas etc. Mas brinquedos não havia. Hoje quando o bebé nasce já tem o quarto à espera com tudo o que é do bom, desde a caminha, carrinho, cadeirinha e cheio de brinquedos. Hoje os brinquedos são em demasia! As crianças já nem ligam aos brinquedos, que até deitam sacos deles para o lixo! Todas as crianças têm brinquedos de toda a espécie: triciclos, bicicletas, playstation, telemóveis, computadores etc.

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 Por falar no Mercado, também me lembro os ciganos estarem lá acampados a cozinhar os porcos ou galinhas que tinham desenterrado e que já tinham morrido com doença há 15 dias! Comiam e não morriam! Em comparação, hoje os ciganos já não comem animais desenterrados que tivessem morrido de doença, mas comem em bons restaurantes! E já não andam a cavalo em burros velhos e mancos, mas sim em boas carrinhas Mercedes e com os dedos cheios de anéis!


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Porque, naquele tempo, havia muito mais respeito do que hoje. Para com os superiores, assim que avistassem os professores esticavam-lhe o braço fazendo continência dizendo: “ - Bom dia Senhor Professor, ou Professora!” -  cumprimentavam-nos com toda a educação. Mas hoje, infelizmente, é ao contrário, não admitem uma repreensão e são eles quem maltrata os professores,  mesmo dentro da sala de aulas; chegando a ser os alunos a baterem aos professores! Isto graças à educação que lhes dão os pais em casa, não concordam que os professores repreendam os seus filhos e depois eles sentem-se apoiados pelos Pais e saem assim uns desordeiros. Graças a Deus que não são todos assim!
O mesmo faziam aos sacerdotes, se estivessem sentados quando passasse um Padre, levantavam-se à sua passagem tirando o chapéu ou boina da cabeça. Quando passavam em frente a uma igreja ou capela, faziam o mesmo gesto. Mas hoje até à porta das igrejas e mesmo dentro é só asneiradas, falta de educação e desrespeito.
 Mesmo para com as famílias, já não é aquele tempo em que os filhos não se deitavam, nem se levantavam sem porem as mãos e dizerem: “ - Deite-me a sua bênção meu Pai! Deite-me a sua bênção minha mãe! ou meu avô, minha avó, meu padrinho ou madrinha!” Hoje já nem ligam a padrinhos, nem avós, nem aos Pais!... Mas também, os Pais deitam-se e voltam-se a levantar, sem os filhos chegarem a casa! Não sei como estes Pais podem estar tranquilos, sem saberem como e onde estarão os seus filhos!? Estão a colher o que semearam.

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O Natal de antigamente era a festa da família. Nessa noite toda a família se reunia à volta do cepo da fogueira. Era o dia em que as pessoas tiravam a barriga de misérias, comendo umas batatinhas com a açordinha de Natal (que era a couvinha com umas espinhas de bacalhau) e uma pinga de água-pé. De sobremesa era uma filhó, feita só de farinha, água e sal. Ou uma rabanada que era feita com o trigo da Lapa, molhadas em ovo e fritas na frigideira; polvilhadas com açúcar e canela. No final da consoada ficávamos a jogar ao “par ou pernão” com os confeitos comprados na Santa Luzia, junto ao Presépio. O Presépio era muito simples: um bocado de musgo, com uma pequenina cabaninha de palha (que o meu pai fazia de um pau e um bocadinho de palha) e tinha a manjedoura igual, também feita por ele. Havia o burrinho e a vaquinha, que o meu pai fez da mesma maneira, a Nossa Senhora e S. José… Mais tarde, começaram a aparecer à venda, na Festa da Santa Luzia, as figurinhas de barro, que já tinham os 3 Reis Magos, os pastores, as ovelhinhas… E as pessoas todos os anos iam comprando uma ou duas peças para completar o Presépio.

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Hoje já se não fazem presépios. As imagens fugiram!... Põem apenas um pinheiro, que por vezes até é artificial, comprados nos Centros Comerciais, para não terem trabalho de ir cortar um a uma mata. Já não põem algodão em rama, mas sim cheio de pirilampos a piscar.
À meia-noite, entra pela porta dentro um homem de barbas e vestido de vermelho, carregando um saco às costas cheio de presentes, pondo-se a distribuí-los por toda a gente. Por isso as crianças de hoje já não falam no Menino Jesus, mas sim no Pai Natal, o homem de barbas e vestido de vermelho. A ceia de Natal já não é a Festa da Família como antigamente. Muitos casais vão comer ao restaurante para não terem o trabalho de o fazerem e lavar as louças em casa. Outros ficam em casa sozinhos, porque os que ainda têm pais, põem-nos nos lares e nem nesse dia os vão buscar para não terem esse trabalho. E aos filhos, deixam-nos ir para as discotecas, ou para festas, passando a noite a dançar e a encharcar álcool! Chegam de madrugada a casa, bêbedos e com muita sorte por não terem um acidente por excesso de álcool.

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