quarta-feira, 1 de março de 2017

A Magia do Arrojo - Boletins Antigos - Bol. 8

A MAGIA DO ARROJO
Por: Arlindo de Sousa
(Março de 2002)

         Hoje, em Chão Fértil, quase toda a gente possui terra. Mas, a maior parte dos novos titulares deixou de a cultivar, porque, devido à integração de Portugal na União Europeia, a agricultura, em Chão Fértil, tecnicamente ainda feita em moldes não muito diferentes da laboração agrícola característica da Idade Média, deixou de ser rentável. Por outro Lado, a maior parte dos novos donos da terra ainda estão emigrados no estrangeiro. E quando voltam, já gastos e cansados, a única coisa que lhes apetece é viver calmamente da reforma, considerada alta se comparada com a que, em igualdade de circunstâncias, obteriam trabalhando em Portugal. Quando muito, lá vão cultivando umas hortaliças para consumo próprio, ou desenvolvendo uma actividade agrícola teimosamente retrógrada com pouquíssima ou nenhuma expressão económica.
         Como resultado de tudo isto, o matagal avança e a terra de cultivo vai recuando..., recuando..., recuando... A população continua a emigrar para as cidades, para a Europa..., enfim, para onde pode...
         A ideia corrente e fatalista é a de que, face à concorrência dos nossos parceiros europeus, tentar viver da agricultura em Chão Fértil é o mesmo que insistir em dar vida a um gato morto.
         Quanto aos filhos dos emigrantes, a maior parte deles nascidos no estrangeiro onde constituíram família e trabalham, enquanto os pais são vivos, ainda os visitam.., ou vice-versa. Mas, quando os seus progenitores desaparecem..., perdem quase invariavelmente também o contacto com a terra dos seus ancestrais. Em apoio deste raciocínio, diremos apenas que a população de Chão Fértil lá está cada vez mais envelhecida e continua a diminuir..., a diminuir..., a diminuir... E não pára de aumentar o número de lugares abandonados e casas e ruas desertas, onde só já vivem, passeiam ou predominam gatos, ratos e fantasmas...! No dizer expressivo das pessoas, que até ver ainda vivem em Chão Fértil, “em tais sítios, bem podem para lá matar um homem que ninguém lhe acode”.
         Lamentavelmente, ninguém em Chão Fértil parece apostado em tentar inverter a situação de crise que ameaça a existência da sua terra. Numa atitude de egoísmo extremo ou ausência de formação de que colectivamente somos todos responsáveis, toda a gente parece viver o presente sem se preocupar com o futuro. O dinheiro que trazem ou recebem do estrangeiro aplicam-no apenas na realização do sonho mais caro à maior parte deles — a construção de uma casa normalmen­te colossal em tamanho, ostentação e desenquadramento urbanístico.
         Concretizado o que parece constituir o desejo máximo da sua vida, não revelam qualquer capacidade de empreendimento produtivo, parecendo completamente destituídos de imaginação e criatividade em matéria de investimento.
         Será que não estaremos em presença de um grave e acentuado déficit educacional, que ainda não conseguiu apagar, no espírito da gente de Chão Fértil, o vício histórico de, em vez de criar riqueza na sua própria terra, só ser capaz de partir por esse mundo fora à procura de melhores condições de vida? Sabe-se que nalgumas terras da Região Tedo­-Távora e mesmo de toda a Beira, para não falar de muitas outras regiões do pais, há quem já esteja a tentar outras saídas (turismo rural; agro-turismo; artesanato; agricultura biológica; etc.), com vista à renovação económica das suas aldeias. Por en­quanto, o número de casos de sucesso ainda não é muito visível..., mas a verdade é que esses portugueses já começaram a sonhar e a tentar con­cretizar o seu sonho de desenvolvimento e revitalização económica. E isso é muito importante! Como disse Goethe, o maior poeta de língua alemã que viveu entre 1749 e 1832, “O que quer que seja que possa fazer ou sonhe fazer, faça. O arrojo tem génio, poder e magia”.


Excerto do romance “Raízes dispersas”, de
Arlindo de Sousa, publicado em

www.educare.pt/NTNP/pdf/Trab 17.pdf.

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