SEMANA SANTA
EM SENDIM
Por: Carlos Cravo
(Março de 2002)
Esta
é uma tradição que vem de há muitos anos, em Sendim, -- os festejos da Semana
Santa ou as Celebrações das Endoenças. Tradição muito difundida, sobretudo nos
sécs. XVIII e XIX, por muitas povoações da nossa região e do nosso país, à qual
Sendim não fugiu à regra. Houve um certo esmorecimento destas celebrações,
sobretudo a partir de meados do séc. XX, restando, no caso de Sendim, a Via
Sacra em forma de procissão (ida ao Calvário), seguindo o percurso das 14 estações
pelas ruas da povoação em direcção ao "Calvário" (lugar situado no
cimo da Vila, quase no topo da serra). Esta Via Sacra é acompanhada por
cânticos entoados separadamente pelo coro dos homens e pelo coro feminino, com
um cariz musical medieval que lembra o canto chão ou canto gregoriano numa
linha melódica bastante melismática. É sem dúvida uma herança do nosso folclore
musical e religioso que é importante preservar pela sua riqueza e peso
antropológico de tradição musical e religiosa. Esta Via Sacra, com estes
cantares, ao contrário de outras celebrações da Semana Santa, é única e
incomparada a outras cerimónias; o que valoriza o seu interesse e importância.
Quanto
à tradição da Semana Santa e suas celebrações, comum em muitas povoações,
embora sob formas diferentes, penso que nesta povoação de Sendim ela teve e tem
um peso maior na tradição e na vivência da fé comunitária herdada dos nossos
antepassados. É possível verificar em livros de contas da antiga Junta da
Freguesia da Paróquia dos sécs. XVIII e XIX, que chegaram até nós, as despesas
com as "celebrações das Endoenças", que provam o peso e importância
que estes festejos tinham para os nossos antepassados.
A
palavra "endoença" tal como indulgência, vem do latim «indulgentia(m)».
As indulgências (ou perdão) dos pecados eram dadas pelo clero aos penitentes,
principalmente durante a Semana Santa. O sentido da palavra
"endoenças" evoluiu para «cerimónias religiosas celebradas durante a
Semana Santa». Embora muitas vezes e em alguns lugares se considere Endoenças
simplesmente aos festejos de Quinta-feira Santa que inclui a Procissão do
Encontro. Convém aqui lembrar que a Semana Santa vai desde o Domingo de Ramos
até ao Domingo da Ressurreição ou Domingo de Páscoa. A seguir ao Domingo de
Ramos vem a Segunda-feira Santa, Terça-feira Santa, Quarta-feira Santa,
Quinta-feira Santa ou dia de Endoenças, Sexta-feira Santa ou Sexta-feira da
Paixão, Sábado Santo ou Sábado Aleluia e finalmente Domingo de Páscoa ou
Domingo da Ressurreição.
Festejos das Endoenças em
Sendim
Assim,
desde o ano passado (2001) e com a nova Comissão Económica da Paróquia
presidida pelo Senhor Padre Filipe, as celebrações das Endoenças ganharam um
renovado e generoso interesse, num empenho, não só em recuperar tradições
esquecidas ou quase esquecidas, como também em actualizar as celebrações em
moldes de teor pastoral.
SEMANA SANTA
2002
Passado
o DOMINGO DE RAMOS, em que os fiéis levaram ramos de
oliveira e foram benzidos no adro da Igreja de Sendim antes da Santa Missa,
seguiram-se as confissões na Quarta-feira Santa.
Na
QUINTA-FEIRA SANTA, após a Missa da
Comunhão Pascal, iniciada por volta das 15h 30m na Igreja Paroquial começaram
propriamente os ofícios das Endoenças com a Via Sacra já habitual (conhecida
como Ida ao Calvário) pelas ruas de Sendim em direcção ao Monte do
Calvário. Nessa procissão seguem três cruzes: a primeira e maior é levada um
pouco à frente pelos mais jovens; segundo a tradição deverá ser carregada pelos
jovens mancebos que vão à inspecção militar nesse ano. Depois vem a cruz média
que encabeça a procissão logo seguida do grupo dos homens. Esta procissão é
dividida pela cruz mais pequena que vem junto ao padre e divide o grupo dos
homens do grupo das mulheres. A cruz mais pequena pára junto às cruzes de pedra
que se encontram ao longo do percurso a marcar as estações. Durante o percurso,
no andamento entre as estações vão-se entoando os tais cânticos já referidos
que passo agora a transcrever:
Mulheres: Virgem Mãe de Deus e Mãe Nossa,
Tende
de Nós Misericórdia!
Homens: Senhor Deus e Pai Nosso,
Tende
de Nós Misericórdia.
No
"Monte do Calvário" cada cruz da procissão fica encostada a cada uma
das três cruzes de pedra erguidas no Calvário. Após terminar a Via Sacra e as
crianças terem recolhido seixos suficientes para encherem os bolsos (os seixos
abundam naquele serro e segundo a tradição, os que forem recolhidos durante as
cerimónias da Via Sacra servem para afugentar os perigos da trovoada e outros
males). Segue a procissão, organizada da mesma forma, em direcção À Igreja,
pelo caminho mais rápido e sem interrupções. Durante este percurso os homens
vão entoando os Martírios do Senhor com refrão repetido pelas mulheres.
Após
a Via Sacra iniciou-se a Procissão do Encontro, ainda no lugar de Sendim. Com
figurantes, dois andores (Nossa Senhora da Soledade e Senhor da Agonia ou
Senhor dos Passos), que seguindo percursos diferentes deu-se o Encontro no
Largo do Pelourinho durante um excelente e mui apropriado "Sermão do
Encontro" pregado pelo Senhor Padre Filipe. Esta procissão foi ainda
abrilhantada pelos sons musicais da Banda de Música de Sendim e pela Manuela
que "encarnou" e muito bem o papel de Verónica, entoando durante o
percurso, e em latim: " -Ó vós que passais, junto a mim pelo caminho, olhai
e vê-de se há dor igual à minha!...", transportando o sudário com o rosto
de Cristo estampado.
Na
SEXTA-FEIRA, pelas 9h 30m da manhã, ainda na Igreja Matriz, fizeram-se os
ofícios religiosos próprios do dia com adoração da Santa Cruz, seguidamente
houve a Ida ao Calvário, Via Sacra nos moldes do dia anterior. Ao fim da
tarde, pelas 18h, realizou-se a Procissão do Enterro ou do Senhor Morto. Desta
vez nos lugares de Aldeia e de Paço; saindo da Capela da Santa Bárbara seguindo
pelas ruas de Aldeia e Paço, terminando na Capela de S. Miguel, mais conhecida
por Capela de Paço. A procissão era constituída por vários figurantes, os
andores do Senhor Morto e Da Nossa Senhora da Soledade. À semelhança do dia
anterior foi abrilhantada pelos sons melancólicos e tristes de marchas fúnebres
interpretadas pela Banda de Música de Sendim com paragens onde se ouvia a
entoação lamentosa em latim de Verónica.
No
SÁBADO SANTO (antes designado por Sábado
Aleluia), foi celebrada por volta das 9h 30m a Vigília Pascal na Capela de
Paço. Começando com a Benção do Lume Novo no exterior. Acendendo-se o Círio
Pascal com lume novo. Fez-se também a benção da Água Benta com água nova. A
Santa Missa começa e, na altura do "Glória" os sinos tocam a Aleluia
da Ressurreição.
Esperemos
que estas Cerimónias se mantenham nos anos seguintes, e a par do engalanamento
das ruas de Sendim com bandeiras apropriadas durante a Quaresma se divulgue
este evento valendo pelas características próprias e únicas que envolvem as
Celebrações de Endoenças ou Semana Santa de Sendim.
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