terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Semana Santa em Sendim - Boletins Antigos - Bol. 8

SEMANA  SANTA  EM  SENDIM
Por: Carlos Cravo

(Março de 2002)



            Esta é uma tradição que vem de há muitos anos, em Sendim, -- os festejos da Semana Santa ou as Celebrações das Endoenças. Tradição muito difundida, sobretudo nos sécs. XVIII e XIX, por muitas povoações da nossa região e do nosso país, à qual Sendim não fugiu à regra. Houve um certo esmorecimento destas celebrações, sobretudo a partir de meados do séc. XX, restando, no caso de Sendim, a Via Sacra em forma de procissão (ida ao Calvário), seguindo o percurso das 14 estações pelas ruas da povoação em direcção ao "Calvário" (lugar situado no cimo da Vila, quase no topo da serra). Esta Via Sacra é acompanhada por cânticos entoados separadamente pelo coro dos homens e pelo coro feminino, com um cariz musical medieval que lembra o canto chão ou canto gregoriano numa linha melódica bastante melismática. É sem dúvida uma herança do nosso folclore musical e religioso que é importante preservar pela sua riqueza e peso antropológico de tradição musical e religiosa. Esta Via Sacra, com estes cantares, ao contrário de outras celebrações da Semana Santa, é única e incomparada a outras cerimónias; o que valoriza o seu interesse e importância.
            Quanto à tradição da Semana Santa e suas celebrações, comum em muitas povoações, embora sob formas diferentes, penso que nesta povoação de Sendim ela teve e tem um peso maior na tradição e na vivência da fé comunitária herdada dos nossos antepassados. É possível verificar em livros de contas da antiga Junta da Freguesia da Paróquia dos sécs. XVIII e XIX, que chegaram até nós, as despesas com as "celebrações das Endoenças", que provam o peso e importância que estes festejos tinham para os nossos antepassados.
            A palavra "endoença" tal como indulgência, vem do latim «indulgentia(m)». As indulgências (ou perdão) dos pecados eram dadas pelo clero aos penitentes, principalmente durante a Semana Santa. O sentido da palavra "endoenças" evoluiu para «cerimónias religiosas celebradas durante a Semana Santa». Embora muitas vezes e em alguns lugares se considere Endoenças simplesmente aos festejos de Quinta-feira Santa que inclui a Procissão do Encontro. Convém aqui lembrar que a Semana Santa vai desde o Domingo de Ramos até ao Domingo da Ressurreição ou Domingo de Páscoa. A seguir ao Domingo de Ramos vem a Segunda-feira Santa, Terça-feira Santa, Quarta-feira Santa, Quinta-feira Santa ou dia de Endoenças, Sexta-feira Santa ou Sexta-feira da Paixão, Sábado Santo ou Sábado Aleluia e finalmente Domingo de Páscoa ou Domingo da Ressurreição.







Festejos das Endoenças em Sendim

            Assim, desde o ano passado (2001) e com a nova Comissão Económica da Paróquia presidida pelo Senhor Padre Filipe, as celebrações das Endoenças ganharam um renovado e generoso interesse, num empenho, não só em recuperar tradições esquecidas ou quase esquecidas, como também em actualizar as celebrações em moldes de teor pastoral.

SEMANA  SANTA  2002

            Passado o DOMINGO  DE  RAMOS, em que os fiéis levaram ramos de oliveira e foram benzidos no adro da Igreja de Sendim antes da Santa Missa, seguiram-se as confissões na Quarta-feira Santa.
            Na QUINTA-FEIRA  SANTA, após a Missa da Comunhão Pascal, iniciada por volta das 15h 30m na Igreja Paroquial começaram propriamente os ofícios das Endoenças com a Via Sacra já habitual (conhecida como Ida ao Calvário) pelas ruas de Sendim em direcção ao Monte do Calvário. Nessa procissão seguem três cruzes: a primeira e maior é levada um pouco à frente pelos mais jovens; segundo a tradição deverá ser carregada pelos jovens mancebos que vão à inspecção militar nesse ano. Depois vem a cruz média que encabeça a procissão logo seguida do grupo dos homens. Esta procissão é dividida pela cruz mais pequena que vem junto ao padre e divide o grupo dos homens do grupo das mulheres. A cruz mais pequena pára junto às cruzes de pedra que se encontram ao longo do percurso a marcar as estações. Durante o percurso, no andamento entre as estações vão-se entoando os tais cânticos já referidos que passo agora a transcrever:

            Mulheres:      Virgem Mãe de Deus e Mãe Nossa,
                                   Tende de Nós Misericórdia!

            Homens:         Senhor Deus e Pai Nosso,
                                   Tende de Nós Misericórdia.
           





            No "Monte do Calvário" cada cruz da procissão fica encostada a cada uma das três cruzes de pedra erguidas no Calvário. Após terminar a Via Sacra e as crianças terem recolhido seixos suficientes para encherem os bolsos (os seixos abundam naquele serro e segundo a tradição, os que forem recolhidos durante as cerimónias da Via Sacra servem para afugentar os perigos da trovoada e outros males). Segue a procissão, organizada da mesma forma, em direcção À Igreja, pelo caminho mais rápido e sem interrupções. Durante este percurso os homens vão entoando os Martírios do Senhor com refrão repetido pelas mulheres.
            Após a Via Sacra iniciou-se a Procissão do Encontro, ainda no lugar de Sendim. Com figurantes, dois andores (Nossa Senhora da Soledade e Senhor da Agonia ou Senhor dos Passos), que seguindo percursos diferentes deu-se o Encontro no Largo do Pelourinho durante um excelente e mui apropriado "Sermão do Encontro" pregado pelo Senhor Padre Filipe. Esta procissão foi ainda abrilhantada pelos sons musicais da Banda de Música de Sendim e pela Manuela que "encarnou" e muito bem o papel de Verónica, entoando durante o percurso, e em latim: " -Ó vós que passais, junto a mim pelo caminho, olhai e vê-de se há dor igual à minha!...", transportando o sudário com o rosto de Cristo estampado.
            Na SEXTA-FEIRA, pelas 9h 30m da manhã, ainda na Igreja Matriz, fizeram-se os ofícios religiosos próprios do dia com adoração da Santa Cruz, seguidamente houve a Ida ao Calvário, Via Sacra nos moldes do dia anterior. Ao fim da tarde, pelas 18h, realizou-se a Procissão do Enterro ou do Senhor Morto. Desta vez nos lugares de Aldeia e de Paço; saindo da Capela da Santa Bárbara seguindo pelas ruas de Aldeia e Paço, terminando na Capela de S. Miguel, mais conhecida por Capela de Paço. A procissão era constituída por vários figurantes, os andores do Senhor Morto e Da Nossa Senhora da Soledade. À semelhança do dia anterior foi abrilhantada pelos sons melancólicos e tristes de marchas fúnebres interpretadas pela Banda de Música de Sendim com paragens onde se ouvia a entoação lamentosa em latim de Verónica.
            No SÁBADO  SANTO (antes designado por Sábado Aleluia), foi celebrada por volta das 9h 30m a Vigília Pascal na Capela de Paço. Começando com a Benção do Lume Novo no exterior. Acendendo-se o Círio Pascal com lume novo. Fez-se também a benção da Água Benta com água nova. A Santa Missa começa e, na altura do "Glória" os sinos tocam a Aleluia da Ressurreição.

            Esperemos que estas Cerimónias se mantenham nos anos seguintes, e a par do engalanamento das ruas de Sendim com bandeiras apropriadas durante a Quaresma se divulgue este evento valendo pelas características próprias e únicas que envolvem as Celebrações de Endoenças ou Semana Santa de Sendim.





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